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A Mão Esquerda!
A Mão Esquerda!


A Mão Esquerda!

           

 

¨O maior pecado do homem, talvez, seja o desconhecer-se.¨ (Do Autor)

 

 

Não havia a menor dúvida: eu estava em um manicômio.

            Assim como quem acorda no meio do sonho para dentro do próprio sonho, caindo em si ao passo que desconhece como chegou ali, não sabia do meu estado, do meu crime, do motivo de estar preso. E, também, como se sabe dos internos, julgava-me em juízo perfeito.

            O quarto em que me encontrava, limpo e branco, tendo uma cama ao centro, janelas altas, lacradas, sem a presença de qualquer objeto cortante, possuía uma severa porta de metal lacrando-me para o mundo lá fora.

            Lembro apenas de cair em pranto e de ver minhas mãos, pernas e cintura atados à cama.

            - Que tipo de louco sou? – Foi o que pensei. Então, veio de dentro de mim, em particular da minha mão esquerda, uma voz:

            - Estou em ti, por enquanto somente na mão, mas logo te possuirei por completo! – A seguir, emitiu uma sonora gargalhada. Meu desespero era insuportável. Aquela mão, além daquilo, possuía uma energia que sabia não ser minha. Lutei tentando soltar-me. Cansado depois de vários minutos, acreditei que a melhor forma de escapar seria parecer são o máximo que pudesse.


            Nos dias seguintes vieram os enfermeiros, os quais tratei com enorme cortesia. Em seguida veio um médico severo no olhar e no falar. Fez-me muitas perguntas às quais respondia com brandura e notável serenidade. Perguntou-me da mão esquerda:

            - Ela ainda fala contigo?

            Disse-lhe que não. Nesse momento a mão, em tresloucada gritaria, queimava por dentro e tive que fazer grande força para ignorá-la. O médico voltou mais alguns dias seguidos, fez novas perguntas, ordenou que me deixassem livre das amarras e poucas semanas depois interagia com os outros pacientes.

            Cheguei, por várias vezes, a ajudar os enfermeiros a segurar os mais exaltados, conversava calmamente sobre banalidades, política, religião e filosofava com propriedade sobre diversos temas sem nunca perder o equilíbrio. Não demorou muitos meses e, finalmente a medicina considerou-me curado.

            O fato é que, apesar de tudo, ainda não me lembrava da minha vida anterior e nem sabia como fora parar ali. Quando o médico perguntava sobre o passado, procurava responder genericamente, dando-lhe a certeza de que era um ser no domínio completo de suas faculdades.

            A mão pareceu acalmar-se e terminou por ficar em silêncio, o que ajudou-me muito a ter paz. No dia da liberdade, confesso que não sabia nem para onde ir e nem o que fazer. O Doutor informou-me que ficaria sob tutela do Estado e que, ao menor deslize, voltaria para o Quarto B-12.

            - Não voltarei, foi o que lhe disse.

            Tendo apenas uma velha mala com poucas peças de roupa, um endereço que diziam ser da casa da minha mãe e alguns trocados, ganhei as ruas. Na cidade, caminhei a esmo sentindo o vento bater-me no rosto. Parei diante de uma vitrine e senti a mão esquerda quente, pulsando, como se fosse um outro ser. No reflexo, justaposto à minha imagem, vi um ser monstruoso similar à gravura dos mais terríveis demônios e sua gigantesca mão esquerda no lugar da minha.

            Não tive dúvida. Atirei-me diante do primeiro caminhão que passou às minhas costas em altíssima velocidade. O impacto lançou-me vários metros adiante no asfalto e, enquanto agoniza, vi o demônio ajoelhar-se diante de mim gritando e chorando:

            - Maldito! O que farei sem minha mão esquerda? – Nisso, enquanto meus olhos cerravam para sempre, vi que elevou seus braços e notei que no lugar de uma grotesca mão esquerda, como seria de se esperar, havia apenas um cotoco...



Autor: Jurandir Araguaia.

Origem do Conto: baseado em um sonho.


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